sexta-feira, 6 de março de 2009

Aviso da Lua que Menstrua

A Patrícia Fox me mandou esse aqui numa comunidade, e tanto gostei que repasso aqui!


Aviso da Lua que Menstrua - Elisa Lucinda

Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cautela com esta gente que menstrua...
Imagine uma cachoeira às avessas:
cada ato que faz, o corpo confessa.

Cuidado, moço
às vezes parece erva, parece hera
cuidado com essa gente que gera
essa gente que se metamorfoseia
metade legível, metade sereia

Barriga cresce, explode humanidades
e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar
mas é outro lugar, aí é que está:
cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita...

Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente
que vai cair no mesmo planeta panela.

Cuidado com cada letra que manda pra ela!
Tá acostumada a viver por dentro,
transforma fato em elemento
a tudo refoga, ferve, frita
ainda sangra tudo no próximo mês.

Cuidado moço, quando cê pensa que escapou
é que chegou a sua vez!
Porque sou muito sua amiga
é que tô falando na "vera"
conheço cada uma, além de ser uma delas.

Você que saiu da fresta dela
delicada força quando voltar a ela.

Não vá sem ser convidado
ou sem os devidos cortejos...
Às vezes pela ponte de um beijo
já se alcança a "cidade secreta"
a Atlântida perdida.

Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela.
Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas
cai na condição de ser displicente
diante da própria serpente.

Ela é uma cobra de avental.

Não despreze a meditação doméstica.

É da poeira do cotidiano
que a mulher extrai filosofia
cozinhando, costurando
e você chega com a mão no bolso
julgando a arte do almoço: Eca!...

Você que não sabe onde está sua cueca?

Ah, meu cão desejado
tão preocupado em rosnar, ladrar e latir
então esquece de morder devagar
esquece de saber curtir, dividir.

E aí quando quer agredir
chama de vaca e galinha.

São duas dignas vizinhas do mundo daqui!

O que você tem pra falar de vaca?

O que você tem eu vou dizer e não se queixe:
VACA é sua mãe. De leite.

Vaca e galinha...
ora, não ofende. Enaltece, elogia:
comparando rainha com rainha
óvulo, ovo e leite
pensando que está agredindo
que tá falando palavrão imundo.

Tá, não, homem.

Tá citando o princípio do mundo!

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

A Mulher Esqueleto




“A Mulher-esqueleto é uma história de caça a respeito do amor.”
Clarissa Pinkola Estés


“Ela havia feito alguma coisa que seu pai não aprovava, embora ninguém mais
se lembrasse do que havia sido. Seu pai, no entanto, a havia arrastado até os penhascos, atirando-a ao mar. Lá, os peixes devoraram sua carne e arrancaram seus olhos. Enquanto jazia no fundo do mar, seu esqueleto rolou muitas vezes com as correntes.

Um dia um pescador veio pescar. Bem, na verdade, em outros tempos muitos costumavam vir a essa baía pescar. Esse pescador, porém, estava afastado da sua colônia e não sabia que os pescadores da região não trabalhavam ali sob a alegação
de que a enseada era mal-assombrada.

O anzol do pescador foi descendo pela água abaixo e se prendeu - logo em que! - nos ossos das costelas da Mulher-esqueleto. O pescador pensou: “Oba, agora peguei um grande de verdade! Agora peguei um mesmo!” Na sua imaginação, ele já via quantas pessoas esse peixe enorme iria alimentar, quanto tempo sua carne duraria, quanto tempo ele se veria livre da obrigação de pescar. E enquanto ele lutava com esse enorme peso na ponta do anzol, o mar se encapelou com uma espuma agitada, e o caiaque empinava e sacudia porque aquela que estava lá embaixo lutava para se soltar. E quanto mais ela lutava, tanto mais ela se enredava na linha. Não importa o que fizesse, ela estava sendo inexoravelmente arrastada para a superfície, puxada pelos ossos das próprias costelas.

O pescador havia se voltado para recolher a rede e, por isso, não viu a cabeça calva
surgir acima das ondas; não viu os pequenos corais que brilhavam nas órbitas do crânio; não viu os crustáceos nos velhos dentes de marfim. Quando ele se voltou com a rede nas mãos, o esqueleto inteiro, no estado em que estava, já havia chegado a superfície e caia suspenso da extremidade do caiaque pelos dentes incisivos.

- Agh! - gritou o homem, e seu coração afundou até os joelhos, seus olhos se esconderam apavorados no fundo da cabeça e suas orelhas arderam num vermelho forte.
- Agh! - berrou ele, soltando-a da proa com o remo e começando a remar loucamente na direção da terra. Sem perceber que ela estava emaranhada na sua linha, ele ficou ainda mais assustado pois ela parecia estar em pé, a persegui-lo o tempo todo até a praia.
Não importava de que jeito ele desviasse o caiaque, ela continuava ali atrás.
Sua respiração formava nuvens de vapor sobre a água, e seus braços se agitavam
como se quisessem agarrá-lo para levá-lo para as profundezas.

- Aaagggggghhhh! - uivava ele, quando o caiaque encalhou na praia. De um salto ele estava fora da embarcação e saia correndo agarrado a vara de pescar.
E o cadáver branco da Mulher-esqueleto, ainda preso a linha de pescar, vinha aos solavancos bem atrás dele. Ele correu pelas pedras, e ela o acompanhou.
Ele atravessou a tundra gelada, e ela não se distanciou. Ele passou por cima da carne que havia deixado a secar, rachando-a em pedaços com as passadas dos seus mukluks.

O tempo todo ela continuou atrás dele, na verdade até pegou um pedaço do peixe
congelado enquanto era arrastada. E logo começou a comer, porque há muito, muito tempo não se saciava. Finalmente, o homem chegou ao seu iglu, enfiou se direto no túnel e, de quatro, engatinhou de qualquer jeito para dentro.
Ofegante e soluçante, ele ficou ali deitado no escuro, com o coração parecendo um tambor, um tambor enorme. Afinal, estava seguro, ah, tão seguro, é, seguro, graças aos deuses, Raven, é, graças a Raven, é, e também a todo-generosa Sedna, em segurança, afinal.

Imaginem quando ele acendeu sua lamparina de óleo de baleia, ali estava ela - aquilo - jogada num monte no chão de neve, com um calcanhar sobre um ombro,
um joelho preso nas costelas, um pé por cima do cotovelo. Mais tarde ele não saberia dizer o que realmente aconteceu. Talvez a luz tivesse suavizado suas feições; talvez fosse o fato de ele ser um homem solitário. Mas sua respiração ganhou um que de delicadeza, bem devagar ele estendeu as mãos encardidas e, falando baixinho como a mãe fala com o filho, começou a soltá-la da linha de pescar.

- Oh, na, na, na. - Ele primeiro soltou os dedos dos pés, depois os tornozelos.
- Oh, na, na, na. - Trabalhou sem parar noite adentro, até cobri-la de peles para aquecê-la, já que os ossos da Mulher-esqueleto eram iguaizinhos aos de um ser humano.

Ele procurou sua pederneira na bainha de couro e usou um pouco do próprio cabelo para acender mais um foguinho. Ficou olhando para ela de vez em quando enquanto passava óleo na preciosa madeira da sua vara de pescar e enrolava novamente sua linha de seda. E ela, no meio das peles, não pronunciava palavra - não tinha coragem - para que o caçador não a levasse lá para fora e a jogasse lá embaixo nas pedras, quebrando totalmente seus ossos.

O homem começou a sentir sono, enfiou-se nas peles de dormir e logo estava sonhando.
Às vezes, quando os seres humanos dormem, acontece de uma lágrima escapar do olho de quem sonha. Nunca sabemos que tipo de sonho provoca isso, mas sabemos que ou é um sonho de tristeza ou de anseio. E foi isso o que aconteceu com o homem.

A Mulher-esqueleto viu o brilho da lágrima a luz do fogo, e de repente ela sentiu uma sede daquelas. Ela se aproximou do homem que dormia, rangendo e retinindo,
e pôs a boca junto a lágrima. Aquela única lágrima foi como um rio, que ela bebeu,
bebeu e bebeu até saciar sua sede de tantos anos.

Enquanto estava deitada ao seu lado, ela estendeu a mão para dentro do homem
que dormia e retirou seu coração, aquele tambor forte.
Sentou-se e começou a batucar dos dois lados do coração: Bom, Bomm!... Bom, Bomm!

Enquanto marcava o ritmo, ela começou a cantar em voz alta.

- Carne, carne, carne! Carne, carne, carne!
- E quanto mais cantava, mais seu corpo se revestia de carne.
Ela cantou para ter cabelo, olhos saudáveis e mãos boas e gordas.
Ela cantou para ter a divisão entre as pernas e seios compridos o suficiente
para se enrolarem e dar calor, e todas as coisas de que as mulheres precisam.

Quando estava pronta, ela também cantou para despir o homem que dormia
e se enfiou na cama com ele, a pele de um tocando a do outro. Ela devolveu o grande tambor, o coração, ao corpo dele, e foi assim que acordaram, abraçados um ao outro,enredados da noite juntos, agora de outro jeito, de um jeito bom e duradouro.

As pessoas que não conseguem se lembrar de como aconteceu sua primeira desgraça dizem que ela e o pescador foram embora e sempre foram bem alimentados pelas criaturas que ela conheceu na sua vida debaixo d'água.
As pessoas garantem que é verdade e que é só isso o que sabem.”


Lenda usada em aula. A mulher-esqueleto e o pescador representam as facetas da mesma pessoa. A mulher esqueleto representa a alma selvagem, esquecida na maior profundeza. O pescador, a consciência. Cada pescador quando se depara com a mulher esqueleto presa nas redes de pesca (poderia até me atrever aqui a utilizar os relatos de Castañeda acerca dos filamentos luminosos que ligam a consciência ao infinito pelo ponto de aglutinação do campo energético humano) se assustam, pois a alma, o esqueleto, está uma bagunça. É o encontro com o desconhecido, e quando o pescador se compadece da mulher-esqueleto, e tira fio por fio os emaranhados, e tenta, na medida do que pode, reconstruir a alma, é o encontro da consciência com a alma, sem temores e compassivo. Tal encontro é um encontro de amor. Quando a consciência toma conhecimento da alma, e supera o medo inicial, e se compadece, é como o encontro do pescador com a mulher esqueleto. O compartilhar de uma lágrima representa exatamente a compaixão, o dividir do sofrimento. E o felizes para sempre da Mulher Esqueleto e do pescador é na verdade o feliz encontro da docilidade da alma com a rigidez da consciência. A troca entre as duas essência é o que traz a anima, a plenitude da vida da Fêmea Selvagem.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

O Mito de Peixes


Fuçando no site Mistérios Antigos, tem um tópico bacana lá sobre a mitologia e os signos...vale a pena ler...eu tenho a Lua em Paixes, então, tratei de conferir ela, pois como tenho Sol em Escorpião, sou muito regida pelas emoções (Lunar). Bem que eu já imaginava uma ligação forte que eu tenho com a Rainha do Submundo, Perséfone, mas olhe só, eu achava que era pelo aspecto do Sol em Escorpião! (Regente - Plutão, ma mitologia, HADES, o Rei do Submundo)


Segue:

Mitos de Peixes

Existem várias versões para o mito das sereias. A princípio acreditava-se que haviam apenas dois exemplares. Partênope e Lígia. Versões posteriores acrescentam Leucósia como o terceiro elemento. Uma tocava lira, outra cantava e a terceira tocava flauta. Eram jovens de uma beleza sem par e integravam o cortejo da misteriosa Perséfone. Quando Hades, o deus dos infernos raptou Perséfone, as sereias pediram aos deuses asas para que pudessem procurar sua ama em todos os lugares. Há uma versão que Deméter, a mãe de Perséfone, irada com seu rapto, subtraiu as asas das sereias e transformou-as em monstros.

Outra versão conta que Afrodite, enciumada com a beleza de suas concorrentes, transformou-as em sereias ou seja metade mulheres e da cintura para baixo peixes para que nunca pudessem vir a usufruir dos prazeres do corpo.

Como empregadas de Perséfone, agora a rainha dos onfernos, as sereias estavam encarregadas de levar as almas para sua senhora. Ficavam muna ilha do Mediterrâneo aguardando a passagem de barcos com pescadores e marinheiros para depois de enfeitiçá-los com sua beleza e cânticos, as vítimas sucumbissem e, então cumpririam a missão de levar-lhes as almas.

Numa outra versão a sereia se apaixona por um jovem ingênuo. Os dois compartilhavam de mundos completamente diferentes mas para poderem ficar juntos, a sereia depois de analisar todo o sacrifício que deveria fazer propõe ao jovem algumas condições.

Este não poderia perguntar-lhe o verdadeiro nome, não poderia abrir uma caixinha dourada que a mesma guardava em seu armário e nem entrar no quarto dela numa determinada hora. Estas condições só foram respeitadas temporariamente e, transgredindo as solicitações seja por simples curiosidade seja por desrespeito, o encanto quebrou-se e os dois não puderam mais conviver juntos e a sereia partiu para sempre deixando o jovem desolado.

Cada uma das passagens apresentadas tem muitas das características das pessoas que tem a data de nascimento compreendida entre "20 de fevereiro" e "20 de março", ascendente em Peixes ou que tem Netuno como planeta importante no Mapa Natal.

Outros mitos importantes de Peixes são o de Poseidon, o de Tifão e o de Dionísio.

Características de peixes:

Secretos, misteriosos, difíceis de entender, ora alegres, ora tristes, paradoxais, enigmáticos, complexos, apresentam diversas faces para o mundo, conseguem penetrar profundamente no mundo das emoções. A emoções, no entanto quanto mais profundas muitas vezes passam a ter características nebulosas. Muitos conseguem contatar as profundezas do inconsciente. Muitos poetas, romancistas, compositores, músicos e até psicoterapêutas tem este tipo de experiência. Podem até traduzir sentimentos do inconsciente coletivo. Os piscianos são imprevisíveis e tem recursos interiores ilimitados.

Podem ter reações intempestivas, oscilarem de um extremo emocional a outro sem razão aparente. Podem ter o hábito de comerem muito e, outros, praticarem jejum para se purificarem. Tem facilidades para meditar e encontrar muitas das respostas às suas complexas questões através deste meio. Tem imaginação criativa e grande inspiração. Muitos vivem num mundo próprio, a parte, e tem dificuldades para se adaptarem ao mundo concreto das formas. Tem uma grande compaixão estendendo-se até aos animais de qualquer espécie. Tem uma grande ligação com as crianças que pode se dar através de suas fantasias como também devido a facilidade que tem de se adaptarem e de criarem.

Porém, quando se trata da educação de seus filhos tendem a delegar responsabilidade para seus cônjuges. São generosos e defendem sua prole contra qualquer animosidade externa que os ameace. Na relação amorosa não tem limites e muitas vezes assustam a pessoa amada com a imensidão de seus sentimentos sem barreiras. Podem apresentar o lado violento de suas reações emocionais que geram muitos desentendimentos. Às vezes os piscianos projetam suas emoções e conteúdos inconscientes nos outros no sentido de organizarem o mundo caótico em que vivem.

Muitas vezes projetam para se livrarem de coisas que não conseguem por outros meios. Este signo também está muito relacionado ao cinema, a fotografia, aos perfumes, ao carnaval e a todos os tipos de imagens projetadas. Podem se desvincular da realidade do dia a dia que pode parecer-lhes dolorosa e aí encontrarmos os viciados, alcoólatras, marginais, mendigos, usuários de drogas e psicopatas.

O signo de Peixes também nos ensina a usar de forma construtiva nossas intuições, e a buscar a cura através dos sonhos. São grandes curadores e conselheiros. Entendem os sacrificados que como eles também se sacrificam e sofrem. Cabe a eles traduzir a complexidade universal. Pode ser através da física como Einstein ou ajudando a muitos desesperados, doentes e sem rumo como o grande médium Edgar Cayse. São visionários, grandes artistas, excepcionais místicos. São os grandes magos do Zodíaco.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Quarta é dia de Mercúrio (Hermes)



Assim que veio ao mundo, o precoce Hermes, filho de Zeus e da ninfa Maia, fugiu do berço assim que sua mãe adormeceu. O jovem tinha um plano, uma provocação, em mente. Assim, saiu, pela primeira vez, da caverna onde nascera, na Arcádia e andou até Tessália. Seu objetivo era o rebanho real, que àquela hora da madrugada, era pastoreado por Apolo.
Mas o deus da música estava entregue a outras atividades e havia deixado de lado seu trabalho quando seu jovem chegou. Hermes roubou 50 cabeças de gado e as conduziu cuidadosamente de volta a sua terra natal, tomando todas as precauções para não ser descoberto e, além de tudo, amparado pelo fato de que ninguém poderia desconfiar de um recém-nascido como ele.
A tarefa lhe parecia muito divertida até que deparou-se com o pastor Bato. Desconfiado de que o velho arruinaria sua brincadeira, subornou-o, oferecendo-lhe um bezerro. Mesmo assim não se convenceu de que estava seguro. Então, com a desculpa de guardar as vacas antes de trazer o prêmio, foi até uma caverna e transformou-se num pastor, indo até o homem e oferecendo um novo suborno caso este soubesse do paradeiro das vacas. Vendo-se delatado, pois Bato não o reconhecera, transformou-o em pedra. Mas isto não impediu que fosse descoberto por Apolo, que levou Hermes à presença de Zeus e exigiu a devolução do rebanho.
Zeus ordenou a Hermes que confessasse o roubo e devolvesse os animais. Os dois irmãos teriam entrado numa disputa férrea através dos tempos se Apolo não tivesse visto um instrumento sem igual inventado pelo irmão, que começara a tocá-lo displicentemente. Era a lira, feita do casco de uma tartaruga que emitia um som maravilhoso.
Apolo pensou em negociar as vacas roubadas, trocando-as pelo instrumento. Hermes achou pouco para tal maravilha. Foi-lhe então oferecida uma varinha mágica que transformava o que tocasse em ouro. Apolo ganhou a lira e Hermes o caduceu, que se tornaria um de seus símbolos. Os dois irmãos se reconciliaram para sempre e tornaram-se inseparáveis. Mas mesmo perdoando o irmão, Apolo, lhe deu o nome de rei dos ladrões, que o acompanhou por toda a história.

Hermes, mensageiro dos Deuses e protetor do comércio

Hermes era filho de mais uma das infidelidades de Zeus, com a ninfa Maia. Mas ao contrário da maioria de seus irmãos bastardos, ganhou a simpatia de muitos imortais. Até mesmo Hera, que costumava ser implacável para com os frutos das traições do marido, foi amável, chegando a alimenta-lo com seu próprio leite. Hermes teve vários filhos, entre eles o Hermafrodito, com Afrodite, e Pã, como Driopéia, ou Penélope.
A origem mais provável de seu culto é a Trácia, mas este difundiu-se rapidamente entre os pelasgos, habitantes primitivos da Grécia. Em princípio era venerado, sobretudo, por pastores, protegendo desde suas cabanas até seus animais. Representava também a fertilidade, juntamente com as deusas Deméter, ou Ceres, e Afrodite, ou Vênus.
Com o passar do tempo, Hermes foi perdendo suas atribuições pastoris, transferidas em grande parte para um dos epítetos de Apolo, o Apolo Nômio. Ao mesmo tempo, tornou-se o protetor dos viajantes, que vagavam por estradas incertas e perigosas. As hermas, blocos de pedra que tinham como função indicar o rumo das localidades acabaram se tornando símbolos do deus e sendo esculpidas com suas formas. São também a provável origem do nome do deus.
Como as estradas gregas serviam principalmente às atividades comerciais e os helênicos eram conhecidos por sua esperteza e até mesmo uma certa falta de escrúpulos nos negócios, Hermes ganhou a função de proteger não só o comércio, como também os ladrões. Astuto como era, o deus não poderia servir melhor a este fim. Seu discurso convincente transformou-o também, sob o epíteto de Lógio, no deus da eloqüência. Com todas estas qualidades é compreensível que tenha recebido as funções de mensageiro e portador das ordens de Zeus, mesmo as menos nobres.
Como arauto dos deuses, participava de todos os negócios, ocupava-se da paz e da guerra, das brigas e amores dos deuses, dos interesses gerais do mundo no céu, na terra e nos Infernos. A energia de que precisava para levar rapidamente as mensagens e ordens divinas pelos cantos mais remotos do mundo, o tornaram o deus da juventude e da agilidade viril, patrono dos esportistas, muito cultuado em ginásios. Inventor da lira, era também adorado por poetas e cantores e honrado juntamente com Apolo, ambos protetores da música. Mais tarde passou a ser considerado o criador de ciências como a matemática e a astronomia. Um deus com qualidades tão práticas faz com que alguns estudiosos pensem que Hermes pode ser a representação de algum homem admirável de diversos talentos.
Ninguém morria sem que antes Hermes tivesse cortado os laços que uniam a alma ao corpo. Ganhou ainda a função de conduzir os mortos ao Hades, último descanso das almas, sendo freqüentemente adorado em festas que homenageavam os mortos e perto de tumbas. Era também o deus dos sonhos, a quem os gregos ofereciam a última libação antes de dormir.
Seu culto era extremamente importante para os gregos, personificando a passagem e a mudança. Para os antigos, Hermes tinha a função de levar aos deuses as preces dos mortais e aos mortais os favores divinos. Era também ele quem conduzia as almas ao Hades, reino dos mortos, fazendo a transição entre a vida e a morte. Como deus do lucro, propicia as trocas não só comerciais como as obtidas através de roubos. Deus da eloqüência e dos tratados, faz passar ao espírito dos outros o pensamento de um orador ou de um legado. Para os gregos, seu nome significa intérprete ou mensageiro.
Suas representações mais antigas são o falo, por conta de suas atribuições férteis, e as hermas, representantes de sua proteção aos viajantes. Uma das características mais marcantes, e que aparecem mesmo nas representações mais primitivas, são as asas nos pés e no chapéu, o petaso, o que o ajudaria a correr mais rapidamente contra o vento e o caduceu, um bastão com poderes de distribuir bênçãos e prosperidade, transformando tudo o que tocasse em ouro.
A evolução do culto a Hermes e os atributos que adquiriu ao longo da história tornaram-no propiciador da fortuna e acabaram por fazer com que os romanos, a partir do século V a.C., o associassem ao deus Mercúrio, deus dos mercadores. Em Roma, grande pólo de negócios, tornou-se muito venerado. Seu primeiro templo ficava no centro do comércio fluvial da cidade, às margens do Rio Tibre, no Circo Maximo.
A palavra Mercúrio deriva da mesma raiz das palavras comércio, mercado e mercenário, do latim merx, ou mercadoria. A índole comercial dos antigos gregos e romanos se mostra em representações do deus. Muitas vezes, Mercúrio foi representado com uma bolsa em uma das mãos e, na outra, um ramo de oliveira e uma clava, o primeiro, símbolo de paz, útil ao comércio, e o segundo, da força necessária ao tráfico.
Especialmente venerado em Creta, outro centro comercial, seu culto atraía especialmente pessoas ligadas ao comércio, que ofereciam línguas ao deus, simbolizando sua eloqüência. Mercúrio possuía também um oráculo em Acaie, onde acontecia uma cerimônia na qual o devoto dizia ao ouvido do deus o que se desejava. Em seguida saía do templo com as orelhas tapadas com as mãos. As primeiras palavras que se ouvissem eram a resposta de Mercúrio. Seus mais importantes festejos aconteciam no dia 15 de maio, quando os mercadores sacrificavam animais rogando ao deus de proteger o seu comércio e de perdoar-lhes as pequenas velhacarias.

Mercúrio inventou a lira no mesmo dia em que nasceu. "Mal saiu do seio materno, não ficou envolto nos sagrados cueiros; pelo contrário, imediatamente ultrapassou o limiar do antro sombrio. Encontrou uma tartaruga e dela se apoderou. Estava ela na estrada da gruta, arrastando-se devagar e comendo as flores do campo. Ao vê-la o filho de Júpiter alegra-se; pega-a com ambas as mãos, e volta para a sua morada, com o interessante amigo. Esvazia a escama com o cinzel de brilhante aço e arranca a vida à tartaruga. Em seguida, corta alguns caniços, na medida certa, e com eles fura o costado da tartaruga de escama de pedra; em volta estende com habilidade uma pele de boi, adapta um cabo, no qual, nos dois lados, mergulha cavilhas; em seguida, acrescenta sete cordas harmoniosas de tripa de ovelha.
"Terminando o trabalho, ergue o delicioso instrumento, bate-o com cadência empregando o arco, e a sua mão produz retumbante som. Então o deus canta improvisando harmoniosos versos, e assim como os jovens nos festins se entregam à alegria, ele também conta as entrevistas com Júpiter e a formosa Maia, sua mãe, celebra o seu nascimento ilustre, canta as companheiras da ninfa, as suas ricas moradas, os tripés e os suntuosos tanques que se encontram na gruta." (Hino homérico).
Mercúrio, deus do Comércio
Desde o nascimento possuíra Mercúrio o gênio da permuta, e é por isso que é o deus do comércio. A arte o caracteriza, então, pela bolsa segura pela mão. O emblema é o mesmo que o que se atribui ao deus dos ladrões; mas em vez de aparecer sob as feições de um menino que acaba de fazer uma peraltice, apresenta a grave fisionomia de homem que refletiu e pesa o valor dos atos.
Considerado como deus do comércio e da permuta, Mercúrio segura habitualmente uma bolsa: traz o mesmo atributo quando é deus dos ladrões, mas neste caso está representado com as feições de menino que sorri maliciosamente, por alusão às aventuras que lhe assinalaram a mais tenra infância.
Mercúrio preside aos exercícios. Mas sob tal aspecto, a arte lhe modifica o caráter; não traz mais o capacete e as asas, e se apresenta inteiramente nu sob o aspecto de vigoroso efebo, que ocupa o lugar médio entre o caráter delgado de um Apolo e o caráter robusto de um Hércules.

A multiplicidade das funções de Mercúrio é verdadeiramente extraordinária, e o mais ativo dos deuses chega às vezes a lamentar-se. "Há, por acaso, um deus mais infeliz do que eu? Ter, sozinho, que fazer tanta coisa, sempre curvado ao peso de tantos trabalhos! Desde o romper do dia, devo levantar-me para varrer a sala do banquete; depois, quando já estendi tapetes para a assembléia e pus tudo em ordem, preciso ir ao pé de Júpiter, a fim de levar ordens à Terra, como verdadeiro correio. Mal regresso, ainda coberto de pó, devo servir-lhe a ambrósia, e antes da chegada do escanção, era eu quem lhe dava o néctar. O mais desagradável, porém, é que, único entre os deuses, não fecho olho durante a noite, pois tenho de conduzir as almas a Plutão, levar-lhe os mortos e sentar-me ao tribunal. Os trabalhos do dia não têm fim; além de assistir aos jogos, de fazer o papel de arauto nas assembléias, de dar aulas aos oradores, encarrego-me, simultaneamente, de tudo quanto diz respeito às pompas fúnebres." (Luciano).

Correspondências:

Dia da semana: Quarta-feira
Atuação: Negócios, comunicação, eloquência, estudos, viagens.
Ervas: Majerona, Lavanda, Salsa, Orégano, flor de laranjeira, menta, crisântemo (flor)
Número (não costumo usar, mas...): 8
Vela: Amarela (ou roxa)

Sugestão de uso: recomendo que se leia sobre o mito, pesquise mais a fundo. Procurar no google por :mitologia e Hermes ou Mercúrio sempre dá um bom resultado. O que foi publicado aqui é fruto de tais pesquisas.
Para usar a tabela de correspondências para um ritual ou meditação, a dica é: fazer o ritual no dia indicado (no caso hoje, quarta-feira), não esquecendo nunca das correspondências das quatro direções (leste, oeste, sul e norte) com os quatro elementos (ar, água, fogo e terra, respectivamente), e, tendo já conhecido um pouco sobre o mito, “atraia-o” para sua vida. Isso é facilmente conseguido com Hermes, afinal, ele mesmo é o Deus da comunicação, da arte da eloquência. Então, o negócio é respirar fundo, se concentrar na respiração, e visualizar o que ele representa a você, o que se espera dele. A inspiração costuma ajudar nessas horas, mas sempre, se tiver alguma dúvida, é legal perguntar antes a alguém que conheça mais do tema, ou fazer uma pesquisa mais apurada. Aqui eu posto a dica...qualquer coisa, basta me perguntar!
Obs: Sobre ervas, incensos e essências: fica a critério seu usar a correspondência numerológica (por exemplo, queimar 8 folhas de manjerona, ou colocar 8 flores de crisântemo no altar). Particularmente, eu não consigo imaginar uma divindade se aproximando de nós e contando se a oferenda foi feita em número certo, então, como disse, é a critério de cada um. Pode-se ofertar para a divindade a erva, ou queimando um incenso. Como Hermes tem muita ligação com o elemento Ar, acho uma boa queimar um incenso da erva correspondente. Se preferir ofertar apenas as ervas, lembre-se de depois do ritual, deixá-las em um jardim, ou praça, a Mãe Terra agradece!

Dúvidas? Comments, ou email eu: lobinhaleleka@gmail.com

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A Grande Mãe Brasileira**



O Brasil é o país que concentra o maior número de pessoas a cultuarem uma das manifestações da Grande Mãe, como Iemanjá, a deusa ancestral das águas, Senhora do Mar. Só perde para a Índia, onde inúmeras deusas são cultuadas até hoje.

Anualmente, às vésperas do Ano Novo e no dia dois de fevereiro, milhões de pessoas levam suas oferendas e orações para as praias brasileiras, ou saem em procissões marítimas ou fluviais, similares às antigas cerimônias egípcias e romanas – Navigium Isidi – dedicadas a Isis, Deusa Mãe protetora dos viajantes e das embarcações.

Apesar da devoção brasileira a Iemanjá, seu culto não é nativo - ele foi trazido ao Brasil no século XIII pelos escravos da nação ioruba. Yemojá ou YèYé Omo Ejá, a “Mãe cujos filhos são peixes” era o orixá dos Egbá, a nação ioruba estabelecida outrora perto do rio Yemojá, no antigo reino de Benin. Devido a guerras os Egbá migraram, e se instalaram às margens do rio Ogun, de onde o culto a Iemanjá foi trazido pelos escravos para o Brasil, Cuba e Haiti.

Nestes países, Iemanjá passou a ser venerada como a “Rainha do Mar”, orixá das águas salgadas, apesar de sua origem ter sido “o rio que corre para o mar”, sua saudação sendo Odo-Yiá, que significa “Mãe do Rio”.

Analisando os nomes Ya / man / Ya e Ye / Omo / Ejá conforme a “Lei de Pemba” – a grafia sagrada dos orixás -, postulada pela Umbanda Esotérica, encontram-se os mesmos vocábulos sagrados, que significam “Mãe das águas, Mãe dos filhos da água (peixes) e Mãe Natureza”.

Iemanjá é considerada pela Umbanda Esotérica como uma das sete Vibrações Originais, o princípio gerador receptivo, a matriz dos poderes da água, a representação do eterno e Sagrado Feminino. Portanto, Iemanjá personifica os atributos lunares e aquáticos da Grande Mãe, como padroeira da fecundidade e da gestação, inspiradora dos sonhos e das visões, protetora e nutridora, mãe primeva que sustenta, acalenta e mitiga o sofrimento dos seus filhos de fé.

No entanto, por mais que Iemanjá seja reconhecida e venerada no Brasil, ela não representa a Mãe Ancestral nativa, que tenha sido cultuada pelas tribos indígenas antes da colonização e da chegada dos escravos.

Infelizmente, muito pouco se sabe a respeito das divindades e dos mitos tupi-guarani. A cristianização forçada e a proibição pelos jesuítas de qualquer manifestação pagã, destruiu ou deturpou os vestígios de Tuyabaé-cuáa, a antiga tradição indígena, a sabedoria dos velhos payés.

Segundo o escritor umbandista W.W. da Matta e Silva e seus discípulos Rivas Neto e Itaoman, a raça vermelha original tinha alcançado, em uma determinada época distante, um altíssimo patamar evolutivo, expresso em um elaborado sistema religioso e filosófico, preservado na língua-raiz chamada Abanheengá , da qual surgiu Nheengatu, a “lingua boa”, origem dos vocábulos sagrados dos dialetos indígenas,

Com o passar do tempo a raça vermelha entrou em decadência, e após várias cisões, seus remanescentes se dispersaram em diversas direções. Deles se originaram os tupi-nambá e os tupi-guarani, que se estabeleceram em vários locais na América do Sul.

As concepções do tronco tupi eram monoteístas, postulando a existência de uma divindade suprema, um divino poder criador (às vezes chamado de Tupã) que se manifestava através de Guaracy (o Sol) e Yacy (a Lua), que, juntos, geraram Rudá (o amor), e por extensão, a humanidade. O culto a Guaracy era reservado aos homens, que usavam os tembetá, amuletos labiais em forma de T, enquanto as mulheres veneravam Yacy e Muyrakitã, uma deusa das águas, e usavam os amuletos em forma de batráquios e felinos, pendurados no pescoço ou nas orelhas.

Guaracy era a manifestação visível e física do poder criador representado pelo Sol. Apesar deste astro ser considerado o princípio masculino na visão dualista atual, a análise dos vocábulos nheengatu do seu nome revela sentido diferente. Guará significa “vivente”, e cy é “mãe”, o que formaria a “Mãe dos seres viventes”, a força vital que anima todas as criaturas da natureza, a luz que cria a vida animal e vegetal. Também em outras tradições e culturas (japonesa, nórdica, eslava, báltica, australiana e nativa americana), o Sol era considerado uma Deusa, o que nos faz deduzir que para os tupi a vida e a luz solar provinham de uma Mãe (CY) que só mais tarde foi transformada em Pai.

Yacy era a própria Mãe Natureza, seu nome sendo composto de Ya (senhora) e Cy (mãe), a senhora Mãe, fonte de tudo, manifestada nos atributos da Lua, da água, da natureza , das mulheres e das fêmeas.

Cy ou Ci representa, portanto, a origem de todas as criaturas, animadas ou não, pois tudo o que existe foi gerado por uma mãe que cuida da sua preservação, do nascimento até a morte. Sem Cy (mãe), não há nem perdura a vida, pois ela é a Mãe Natureza, o principio gerador e nutridor da vida.

Na língua tupi existem vários nomes que especificam as qualidades maternas – Yacy = a Mãe Lua, Amanacy = a Mãe da chuva, Aracy = a Mãe do dia, a origem dos pássaros, Iracy = a Mãe do mel, Yara = a Mãe da água, Yacyara = a Mãe do luar, Yaucacy = a Mãe do céu, Acima Ci = a Mãe dos peixes, Ceiuci = a Mãe das estrelas, Amanayara = a senhora da chuva, Itaycy = Mãe do rio da pedra, e tantas outras Mães – do frio e do calor, do fogo e do ouro, do mato, do mangue e da praia, das canções e do silêncio.

As tribos indígenas conheciam e honravam todas as mães e acreditavam que elas geravam seus filhos sozinhas, sem a necessidade do elemento masculino, atribuindo-lhes a virgindade, o que também em outras culturas simbolizava sua independência e auto-suficiência. Em alguns mitos e lendas as virgens eram fecundadas por energias numinosas em forma de animais (serpente, pássaros, boto), forças da natureza (chuva, vento, raios), seres ancestrais ou divindades.

A explicação da omissão, na mitologia indígena, do elemento masculino na criação, era o desconhecimento do papel do homem na geração da criança, além do profundo respeito e reverência pelo sangue menstrual, que, ao cessar “milagrosamente” se transformava em um filho. Somente pela interferência dos colonizadores europeus e pela maciça catequese jesuíta que, na criação do homem, o Pai assumiu um papel preponderante, o Filho tornou-se o segundo na hierarquia, salvador da humanidade, como Jurupary, e à Mãe coube apenas a condição de virgem (como Chiucy).

Porém, apesar do zelo dos missionários para erradicar os vestígios dos cultos nativos da cultura indígena e dos escravos, muitas das suas tradições sobrevivem nas lendas, nos costumes folclóricos, nas práticas da pajelança e encantaria que estão ressurgindo, cada vez mais atuantes, saindo do seu ostracismo secular.

Um outro arquétipo da Mãe Ancestral é descrito no mito amazônico da Boiúna, a Cobra Grande, dona das águas dos rios e dos mistérios da noite. Apresentada como um monstro terrível que vive escondido nas águas escuras do fundo do rio e ataca as embarcações e pescadores, a Boiúna ou Cobra Maria é, na verdade, a Face Escura da Deusa, a Mãe Terrível, a Ceifadora, que tanto gera a vida no lodo como traz a morte, no eterno ciclo da criação, destruição, decomposição e transformação.

Outro aspecto da Mãe Escura é Caamanha, a “Mãe do Mato”, que protege as florestas e os animais silvestres, e pune, portanto, os desmatamentos, as queimadas, e as violências contra a Natureza. Pouco conhecida ela foi transformada em dois personagens lendários: Curupira e Caapora. Descritos como seres fantasmagóricos, peludos, com os pés voltados para trás, às vezes com um aspecto feminino, são os guardiões das florestas, que levavam os caçadores e invasores do seu habitat a se perderem nas matas, punindo-os com chicotadas, pesadelos ou até mesmo a morte.

Nas lendas guarani relata-se a aparição da “Mãe do Ouro”, que surge como uma bola de fogo ou manifesta-se nos trovões, raios e ventos, mostrando a direção da mudança do tempo. Na sua representação antropomórfica ela torna-se uma linda mulher que reside em uma gruta no rio, rodeada pelos peixes e de onde se estende nos ares como raios luminosos, ou então surge na forma de uma serpente de fogo, punindo os destruidores das pradarias. Na sua versão original ela era considerada a guardiã das minas de ouro, que seduzia os homens com seu brilho luminoso, afastando-os das jazidas. Seu mito confunde-se com o do Boitatá, uma serpente de contornos fluídicos, plasmada em luz com dois imensos olhos, guardando tesouros escondidos, reminiscência dos aspectos punitivos da Mãe Natureza, defendendo e protegendo suas riquezas. A deturpação cristã do mito punitivo pode ser vista na figura da “Mula sem Cabeça”, metamorfose da concubina de padre, que assombra os viajantes nas noites de sexta-feira (dia dedicado, nas culturas pagãs, às deusas do amor, como Astarte, Afrodite, Vênus, Freyia) e do Teiniágua, lagarto encantado que se transforma em uma linda moça para seduzir os homens, desviando-os dos seus objetivos.

Quanto ao significado esotérico de Muyrakitã, devemos decompor seu nome em vocábulos, para compreender sua simbologia feminina: Mura = mar, água, Yara – senhora, deusa, Kitã = flor. Podemos então interpretá-lo como “A deusa que floriu das águas” ou “A Senhora que nasceu do mar”. Esta divindade aquática, considerada a filha de Yacy era reverenciada pelas mulheres que usavam uns amuletos mágicos chamados ita-obymbaé, confeccionados com argila verde, colhida nas noites de Lua Cheia no fundo do lago sagrado Yacy-Uaruá (“Espelho da Lua”), morada de Muyrakitã. Estes preciosos amuletos só podiam ser preparados pelas ikanyabas ou cunhãtay, moças virgens escolhidas desde a infância como sacerdotisas do culto de Muyrakitã, vetado, portanto, aos homens. Nas noites de Lua Cheia as cunhãtay devidamente preparadas esperavam que Yacy espalhasse sua luz sobre a superfície do lago e então mergulhavam à procura da argila verde. A preparação das virgens incluía jejum, cânticos e sons especiais (para invocar os poderes magnéticos da Lua), além da mastigação de folhas de jurema, uma árvore sagrada que contém um tipo de narcótico que facilitava as visões. Enquanto as cunhãs mergulhavam, as outras mulheres ficavam nas margens do lago entoando cânticos rítmicos ao som dos maracás (chocalhos). Depois de “recebida” a argila das mãos da própria Muyrakitã, ela era modelada em discos com formato de animais, deixando um pequeno orifício no centro. Então todas as mulheres realizavam encantamentos mágicos, invocando as bênçãos de Muyrakitã e Yacy sobre os amuletos, até que Guaracy, o Sol, nascia, solidificando a argila com seus raios.

Estes amuletos, que ficaram conhecidos com o nome de muiraquitã, tinham cor verde, azul, ou cor de azeitona, e eram usados como pendentes no pescoço ou na orelha esquerda das mulheres. Acreditava-se que eles conferiam proteção material e espiritual, e que podiam ser utilizados para prever o futuro, em certas noites de Lua Cheia, depois de submersos na água do mesmo lago e colocados na testa das cunhãs, invocando-se as bênçãos de Yacy e Muyrakitã.

No nível exotérico, profano, o muiraquitã é conhecido como um talismã zoomorfo, geralmente em forma de sapo, peixe, serpente, tartaruga ou felinos, talhado em pedra (nefrita, esteatita, jadeíta ou quartzito), bem polido, ao qual se atribuíam poderes mágicos e curativos. Foram encontrados vários deles na área do baixo Amazonas, entre as bacias dos rios Trombetas e Tapajós, e foram chamados de “pedras verdes das Amazonas”. Poderia ser uma confirmação do mito das Amazonas ou Ycamiabas, as “mulheres sem homens”, como foram chamadas pelo padre Carvajal, da expedição de Francisco de Orellana, em 1542. Os relatos míticos as descrevem como mulheres altas, belas, fortes e destemidas, longos cabelos negros, trançados, tez clara, que andavam despidas e utilizavam com maestria o arco e flecha para guerrear e caçar. Diz a lenda que elas escolhiam anualmente homens para serem futuros pais de seus filhos, e os presenteavam com muiraquitãs. Outras fontes afirmam que elas usavam ornamentos de pedras verdes esculpidos em forma de animais que serviam como objetos de troca com os visitantes e as tribos vizinhas.

Os missionários atribuíam aos índios tapajós a origem dos muiraquitãs, mas eles eram apenas seus portadores, e não os fabricantes, exibindo-os como símbolos de poder ou riqueza, ou ainda usados como compensação na realização de ritos fúnebres, nas cerimônias de casamento ou para selar alianças e acordos de paz entre as tribos.

Ocultos em mitos, lendas e crenças, existem ainda muitos resquícios das antigas tradições e cultos indígenas. Descartando as sobreposições e distorções cristãs e literárias, poderemos resgatar a riqueza original das diversas e variadas apresentações da Criadora ancestral brasileira, Mãe da Natureza e de tudo o que existe, que existiu e existirá. Cabe aos estudiosos e pesquisadores atuais desvendar os tesouros históricos do passado indígena brasileiro, com isenção de ânimo e sem distorções, em uma sincera dedicação e lealdade à verdade original, para oferecer às nossas mentes as provas daquilo que os nossos corações femininos sempre souberam:

“que a Terra é a nossa Mãe, que nos tempos antigos os seres humanos veneravam e oravam para uma Criadora, que abria os portais da vida e da morte, cujos templos eram a própria Natureza, que somos todos irmãos por sermos seus filhos, interligados por fazermos parte da teia cósmica e telúrica da Sua Criação”.


Mirella Faur, escritora e pesquisadora, dirigente de grupos de mulheres dedicados ao estudo e práticas do Sagrado Feminino, iniciada por W.W.da Matta e Silva na Umbanda Esotérica com o nome de Cynayá.

** Texto extraído do Clã Lobos do Cerrado